terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Engenharia pelo menor preço

Engenharia pelo menor preço

Estamos vendo no Brasil, entre outras coisas, os efeitos da Lei Federal 8666 de 21 de junho de 1993, que regulamentou o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.
Simplesmente não podemos mais confiar em nada. Qualquer grande obra, de alguma forma submetida a esta legislação, começa com probabilidades elevadas de frustração, quando não de acidentes absurdos.
A lógica da regulamentação dessa Lei espraiou-se pela Engenharia. No rigor da vigilância abandonou-se a qualidade a favor da aceitação de julgamentos implacáveis em cima dos responsáveis pelos projetos.
Qualidade tem preço, como medir o valor de um bom consultor, projetista, de qualquer profissional ou empreiteira?
Seria o caso de se perguntar ao cidadão comum se ele gostaria de viajar em algum avião onde a tripulação tivesse sido selecionada pelo menor salário possível, se ele aceitaria ser operado pelo cirurgião mais barato da cidade, se a comida que ele come deve ser selecionada pelo menor preço, se ele faz questão de usar o carro mais barato da praça, morar no prédio construído com o menor custo declarado etc.
O que não aceitamos em nosso dia a dia é aplicado em obras gigantescas, capazes de pulverizar regiões inteiras. Agora falam em retomar o Programa Nuclear no Brasil, nessas condições será loucura total. Alguém aceitaria morar perto de uma usina nuclear feita escolhendo-se reatores, máquinas e instrumentos mais baratos possíveis? Construir sua casa ao pé de uma grande barragem em construção? Viver ao lado dos trilhos de um trem bala brasileiro?
O desafio de contratar em grandes empresas passa por triagens do pessoal de recursos humanos e vai avançando à medida que a responsabilidade do funcionário (colaborador como eufemisticamente gostam de dizer) aumenta. Empresas contratantes e contratadas enfrentam os limites de orçamentos definidos em reuniões de alto nível entre pessoas nem sempre competentes (vide crise econômica mundial e outras mazelas de nosso mundo capitalista, estatal etc.). Em alguns níveis, os famosos cargos de confiança, as leis não valem, aí, entretanto, a história é outra. Não bastasse tudo isso existe no Brasil uma legislação que foi criada na visão absolutamente simplista de legisladores distantes de nossa realidade.
Gente que nunca tomou decisões dentro de instalações prestes a explodir, faltando um simples pulso para se desmancharem, passou a julgar projetos e técnicos de grandes empresas...
A tragédia de SC com direito a explosão de gasoduto, desmoronamentos (até casa de ex-prefeito de Blumenau se desmanchou, castigo?), inundações imprevistas, imobilização e desmanche parcial de uma região produtora e de grande valor para a nação é um caso de polícia. É cedo para procurar culpados, é hora de salvar flagelados, o perigo é perdermos indícios materiais da falta de competência de muita gente que de uma forma ou de outra levou o Vale do Itajaí a esse desastre.
Devemos e podemos, nesse cenário brutal, procurar as causas primeiras, a origem de tudo.
O que podemos afirmar, tendo nascido com o pé dentro da água do Rio Itajaí Açu, freqüentado boas universidades e tido cargos que exigiam muito tecnicamente é que notamos, ao longo desses anos, o declínio do respeito ao engenheiro e a hiper-valorização de critérios financeiros na contratação de serviços e execução de obras. Na Copel, por exemplo, éramos obrigados a investir muito em fiscalização para compensar serviços feitos “pelo menor preço”. De uma forma ou de outra se transferia para a contratante (Copel) a responsabilidade da qualidade, pois a perda por lucro cessante era muitíssimo maior do que o valor que se poderia discutir em travamentos de contratos.
Carecemos de lideranças na área de Engenharia.
No Setor Elétrico, desde a morte de Aureliano Chaves não descobrimos ninguém capaz de enfrentar politicamente os teóricos de outros diplomas e funções. O resultado é uma sucessão de desastres e protelamentos de obras impressionantes e terríveis.
Engenharia? Não conseguimos soltar nem foguetinho em Alcântara. Túnel desabando só é notícia em São Paulo porque é lá que essas obras estão acontecendo. Os desastres da TAM, GOL e outras são inenarráveis. Pior ainda, vimos a explosão simplesmente inaceitável de um gasoduto em SC. Por quê?
No Brasil temos CREA, sindicatos, institutos de Engenharia etc. Será que essas entidades saberiam colocar essas questões? Têm gente disposta a lutar pela reversão desse quadro? Ou lá vamos encontrar poetas e oportunistas? Está na moda falar de meio ambiente, e nossas usinas, estradas, aeroportos, ferrovias, portos, gasodutos, saneamento básico e etc. e cidades que precisam urgentemente de máxima competência para não se transformarem em pesadelos incríveis?
Todos falam em planejamento, é mais fácil, e a concepção, especificação, escolha da melhor opção, a fabricação, operação, manutenção, as normas técnicas, os cálculos de riscos e custos, o gerenciamento dessas obras serão, estão sendo adequados?
Dentro de dois anos teremos eleições para o legislativo estadual e federal. Teremos lideranças empolgantes e competentes?
O Brasil nunca precisou tanto quanto agora de bons engenheiros, gente não só capaz de construir, manter, operar, recomendar, idealizar obras quanto em cativar e conquistar mudanças em nossa legislação, tão simplória quanto perigosa ao povo brasileiro.

Cascaes
2.12.2008

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